quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Infância

Éramos pequenos reguilas, sempre juntos com um grande sorriso nos lábios em que ia de orelha a orelha. Os nossos olhos brilhavam, esperava-nos um futuro promissor. Cada passo que dávamos era de mãos dadas, para nenhum de nós cair. Mediamos menos de 1,50m, muito menos. O nosso tamanho de pé ainda não era o 36, e as nossas mãozinhas eram do tamanho de conchas. Era tudo perfeito, era... agora caímos numa espécie de armadilha, de uma passagem para o mundo real.
O meu cabelo tinha pequenos canudos, pequenos caracóis que ao saltar acompanhava-me de uma forma tão alegre. O quanto eu era feliz. E agora estou eu, sentada, à frente do computador e a reviver os momentos. A maior parte deles não se recorda de mim, se passar por um deles na rua não irei passar de uma simples estranha.
Todos mudamos, as nossas ambições, os nossos gostos, a nossa forma de pensar, tudo está alterado. E no meu coração instalou-se uma saudade enorme, na minha memória passa o rosto de cada um, de cada pequena criança que fez parte da minha infância, das minhas brincadeiras sem sentido.
Fecho os olhos, e é como se ouvisse aqueles gritos de felicidade. Aqueles pequenos pés a baterem no chão naquelas correrias, com aquela energia que sabe-se lá de onde vem. O ar batia-nos na cara de forma diferente, éramos livres. Pequenas crianças livres. Com o coração puro, sem preocupações.
Talvez um dia volte a sentir toda essa alegria, talvez.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Levo-te comigo

Sentei-me à sombra da árvore que em tempos era nossa, o nosso refúgio. No meu colo pousei o álbum de fotografias.
Estava frio, as folhas no chão corriam contra o vento, a árvore dançava, e o som daquela bela coreografia transformava-se numa intensa melodia.
Abri cuidadosamente o álbum. Fotografias, inúmeras fotografias ali guardadas, cobertas pelo pó. Esquecidas pelo tempo. Os meus olhos encheram-se de lágrimas. Todos os retratos ali presentes demonstravam o quanto fomos felizes, o quanto fomos unidos. Apesar de teres sido levado involuntariamente, eu sei que permaneci no teu coração até ao teu último minuto de vida.
Os meus cabelos grisalhos voavam, e as minhas lágrimas continuavam a deslizar pela minha face. Sentia uma sensação de não ter aproveitado todos os momentos que a vida nos proporcionou, sentia que ainda tínhamos muito mais para viver. Foste o único homem que amei, o único que eu permiti que explorasse todos os cantos do meu corpo. E agora estavas tu ali deitado num caixão, derrotado por um cancro, com uma pele pálida e gelada, num sono profundo.
Encostei uma das muitas fotografias ao meu peito e fechei os olhos. A tua imagem veio ao meu encontro, todos as rugas do teu rosto ainda estavam marcadas ao de leve. Nesse mesmo momento deu-se uma forte corrente de ar em que o teu cheiro acompanhava-a. Um turbilhão de sentimentos apoderou-se de mim, o quanto eu queria que estivesses comigo, o quanto eu queria acordar desse pesadelo.
A dor que sentia no meu peito era tão violenta, que me agredia até o meu coração ficar em carne viva. Não conseguia lutar contra a saudade, não conseguia lutar contra mim própria, contra a lei da vida.

Cancro, mas que raio de doença! Logo a ti meu Santiago. Tu que sempre foste marido e pai exemplar foste tirado do mundo de uma forma tão injusta.
Não conseguia continuar a viver sem a tua presença, sem ti ao meu lado não.

***

Passado algum tempo de baixo da árvore, senti um toque suave no ombro, assustei-me. Virei-me para trás à espera de encontrar alguém, por muito surreal que pareça não estava lá ninguém. Sorri, sorri por saber que não estava só, que ias acompanhar-me sempre e que estarias ao meu lado a apoiar-me. Cheguei à conclusão que nem a morte era o suficiente para me separar de ti. Com amor eterno.